A Terra aplanara-se só para eles, por causa deles.
Sem sobressaltos de montes, ou percalços de vales.
Mais que uma planície, era um campo aberto, raso das certezas do amor de ambos.
Por baixo dos corpos, nada mais que o ranger primitivo da roda terrestre, por cima um céu intermitente de azul antigo e prata.
Estavam de mãos dadas. Ele estendido na erva lisa, de pernas abertas, o braço esquerdo ao cimo do corpo, com a mão a servir de almofada à cabeça, e o direito a escorrer na direcção dela...a desaguar na mão dela.
Ela sentada sobre os joelhos dobrados, numa prece repetida desde sempre. Olhavam as estrelas e amavam-se com a placidez de alguém tão velho como o azul do céu .
Ele amava-a porque ela tinha luz própria. Ela amava-o porque ele não tinha recantos nem segredos.
Num minuto, ele ficou sentado ao lado dela.
Mão na mão.
Olhou-a com demora, detendo-se nos lugares mais amados. A curva dos lábios a sorrir, a sobrancelha esquerda sempre um pouco mais arqueada, as pequenas rugas de expressão no canto dos olhos...era tão bonita...
Com a outra mão, puxou o maço de tabaco do bolso da camisa. Tirou um cigarro, ofereceu-lhe um a ela, que aceitou, e riscou um fósforo para os acender.
Deu uma baforada longa e funda, olhou o céu vazio, e disse-lhe:
- Amo-te tanto... Toma...a tua mão. Guarda-a para ti. Amo-te, não fiques comigo para sempre!
Ela olhou a mão solitária, depois de vidas siamesas quase eternas. Sentiu-se despida. Abraçou-se com força e sorriu-lhe. Nos seus dentes viam-se néones de todas as cores e ruas de cidades grandes, e o seu olhar encheu-se da neblina densa só vista nos colossais portos marítimos.
Ela então levantou-se sem nunca descolar os seus olhos dos dele, acenou com a mão renovada pela liberdade e anunciou :
- Também te amo. Encontramo-nos no cimo duma montanha qualquer, ou na profundidade de um desfiladeiro.
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