Ficava ali de olhos esbugalhados, paralisado pela angustia de ter que tantas coisas para fazer.
Do fundo do mar, chegava um ruído surdo que lhe magoava os sentidos e o impelia a cerrar os dentes com quantas forças tinha. Era aquele barulho que fazem os seres enquanto se afogam em sal, um barulho calmo e inquietante, que pronuncia um silêncio sem fim à vista.
E aquele vinil riscado das ondas, uma a seguir à outra, e depois mais outra, todas a suicidarem-se em terra. Perdia sempre uns minutos, a pensar nos desatinos das ondas, queriam morrer porquê? Era cansaço, amor, demência? Morriam degoladas com facas de espuma, e o que restava delas voltava ao mar para assombrar calmarias e aguçar tempestades.
O mar tinha aquela mania de o manter alerta, tinha aquela cruel tentação de lhe meter medo. Mas ali, não havia mar.
Ali, só havia terra, terra vermelha a perder de vista, torrões de açúcar mascavado que cediam debaixo dos pés dos homens, que os castigavam de manhã à noite.
Aquele pó sépia, acre e doce, secava-lhe a boca e insinuava-se pelas narinas, polvilhando-lhe o cérebro de uma canela mulata.
O pó inebriante trazia-lhe sempre a imagem dela. Era o cheiro da canela que lhe abrasava os olhos, e lhe punha pimenta no corpo.
A terra seca, magoava-o sempre por dentro. O pó perdia-lhe sempre o olhar, e cegava-lhe as mãos. Mas ali não havia terra seca, nem pó, nem nada.
Ali só havia a sua angustia, de não saber o que fazer primeiro.
Tinha baralhado as horas do relógio de parede, o calendário amarrotado pela ansiedade, jazia a um canto da sala, a vida girava a uma velocidade que já não era a sua, e ele continuava, ali, estanque, sentado numa cadeira de pinho velho, no meio daquela sala, sem saber o que fazer primeiro. Os olhos esbugalhados, a boca cheia de pó, o desejo afogado em canela, e os pés encharcados em água salgada.
Pensou no destino das ondas, e gostou dele.
Levantou-se pela primeira vez em séculos, e foi buscar uma faca de espuma.