Espreitou por entre os cortinados escuros. A luz do dia não mentia.
Tal como ela temia.
O tempo ameaçava sol.
O sol minguava-lhe os dias. Era fogo posto debaixo da sua roupa.
Tal e qual ela temia.
Fizera juras de clausura ao calor da rua. Promessas de portas fechadas à luz do branco das paredes. Jejuns de manhãs mornas na soleira da porta...
O sol minguava-lhe as horas e acrescentava-lhe a inquietude.
Apertava a camisa com força contra o peito. Tinha que travar o bater de asas ali dentro. Os nós dos dedos empalideciam. Os lábios também.
Uma abelha pousou na flor de laranjeira, daquele ramo que quase batia no vidro da janela....
se agora abrisse a portada, só uma fresta pequenina, o cheiro a laranja doce e pólen acabado de colher , iam entrar-lhe pelo nariz e amolecer-lhe as pernas, e era certo, as pontas dos dedos gritariam por frutas e sumo e pêssegos suaves...
A abelha zumbia mansinho...ela arrependia-se baixinho...jamais abriria a janela num dia como este! Um dia de horas minguadas e euforias em crescendo.
Continuava ali. Prostrada junto ao vidro quente. Se ao menos chovesse dias a fio. Se o céu arrefecesse e se enchesse de cinzento...ela podia então largar a camisa sobre o peito...livre...sem temores de revoadas de pássaros e pousos de insectos.
E voltaria a ser ela, firme e sem pele...e sem sede de frutas ou fome de sumos...
Tinha a boca seca.
Caiu de joelhos no chão de mosaicos frios e chorou.
As mãos soltaram a camisa que teimava em abrir...
A abelha zumbia baixinho.
Ela atrevia-se, devagarinho...
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