Era uma vez...ou duas, agora também já não sei
uma história por contar, acho que era de um rei
Ou então era dum cão, um cão pelintra e esganado
um rei que ia prá guerra, ou um cão mal amanhado?
Ou seria uma princesa, linda doce e encantada
bêbeda, trôpega, vesga, de melena desgrenhada?
É isto que me confunde, era uma vez outra vez
a princesa beija o cão, e o rei o que é que fez?
O rei tinha uma espada, a princesa um gato pardo
o reino tinha piolhos, o cão tinha um carrapato
era assim o argumento, ou será pouco espedito...
será melhor um doutor, um mestre muito erudito?
e depois o que faço ao gato, e onde vou deixar o cão
mato o rei, esfolo a princesa, tudo pla minha mão?
era uma vez.. ou duas, agora também já não sei...
comecemos outra vez: Era uma vez um rei...
Pic in DeviantArt
Era uma vez um medo, que vivia num fundão
acordava apavorado p´lo bater dum coração
Feio como são os medos, soturno como um caixão
assustava pirilampos com arrotos de trovão
Era uma coisa disforme, assim sem forma ou feitio
com um olho no umbigo e baba a correr em fio
Dava-se a ares arrogantes por um certo pedigree
rosnava num tom arrastado:
- Tenham medo! Eu estou aquiiiiiiiii
Nas entranhas de nenhures levitava aquele espectro
suspirando de quando em vez, pelo zumbir de um insecto
Consumia-se em sobressaltos, tamanha era a solidão
uivava de Lua a Lua e extenuado, morria no chão
Esquecido naquela jaula, aquecido em suspiros fundos
sucumbia desastrado a sons diáfanos e rotundos
ás vezes sentia medo, o medo ali encarcerado
- Quão profundo é este leito? - andava o medo intrigado....
Cego desde o primeiro dia, assustador aclamado
o medo de amar assombrava.... um rapaz apaixonado.
Image by DeviantArt
Estava farto da noite, o morcego de olhos vermelhos.
Era um vampiro míope, não via pescoços novos, nem velhos
Sonhava à luz do dia, com caçadas às claras
Ratazanas às fatias, cobras e moscas raras
Uma noite sem luar, em que o breu era total
Depois de um voo rasante, sobre uma teia sinistra
uma aranha viúva, com ares de quem é "a tal"
Apertou-o sem pudores, até lhe vazar uma vista
Noutra aventura nocturna, já ia alta a lua
Saiu com toda a família , pra uma festa de rua
Numa investida mortal, à jugular de um pardal
Falhou o objectivo , por um centímetro fatal
Mordeu um cata-vento , no alto de um campanário
Partiu toda a dentadura, naquele dantesco cenário
- Deste momento em diante - proclamou com emoção,
Com os olhos vazios e uma muleta na mão-
- Só caçarei de pistola, de catana ou à pedrada
Já não vejo, já não mordo, a minha vida está finada!
Imagem by deviantart