Dá-me a tua mão.
Só assim consigo. Dá-me a tua mão, e de vez em quando aperta com força, para eu não me esquecer que estás aqui, que não estou sozinha.
Nunca gostei de estar só.
Em criança, quando a noite caía, e as luzes se apagavam, o silêncio estava sempre carregado de estranhos rangeres que me estalavam nos ouvidos e me enchiam de medo.
Quando a noite caía, e as luzes se apagavam, como um animal do escuro, percorria a distância entre os dois quartos, pisando os mosaicos gelados, um pé, depois outro, numa marcha certa e precisa, e de joelhos na beira da cama, procurava a mão da minha mãe.
A silhueta mexia-se ao de leve, e voltava ao sono profundo logo de seguida.
Eu ficava de joelhos, ali, encostada na madeira dura, finalmente em sossego. A minha mãe dormia, podia vê-la, perfilada na luz da lua coada pelos estores entreabertos.
Era só na escuridão que as pontes se estreitavam. Durante o dia, as ruas eram largas, e o meu espírito ávido de descobrir recantos e espicaçar esconderijos recondidos.
Agora, mesmo de dia, só há pontes, arames esticados...arames sem rede.....e becos escuros.
É por isso que não posso...não consigo ir sem ti. Se me deres a tua mão, como sempre dás, assim, a apertar devagarinho, e às vezes com força, se fizeres assim, posso olhar em frente e confiar.
Subia para o colo do meu pai. Primeiro para cima de uma cadeira , e depois para o colo do meu pai. Era uma aventura! Uma escalada em segurança. O mundo a meus pés, sem dores, sem mágoas, sem ferir nada nem ninguém.
Depois cresci. Como? - Não sei, ninguém sabe como cresce. Cresce e pronto. E quer muito crescer! É toda a gente assim...
O desejo de tocar o céu, leva os ramos fracos a afastarem-se dos troncos protectores. Mas o céu não é dos ramos, nem dos homens. O céu deve ser dos pássaros, e de Deus.
Vamos? Agora é só pontes estreitas, vês? Caminhos de pedras escorregadias, estradas de declives pronunciados, e escarpas tão altas e íngremes que nem se vê o fundo.
As crianças perderam-se? A inocência está a perder-se...eu sinto que sim. Já não sou capaz de dar um passo sozinha no escuro. E tu?
Fotografia Fotodependente
O Luís e a Tininha eram namorados vai pra mais de três anos.
Amavam-se e faziam planos, como todos os namorados.
"Um dia vamos ter uma casa do tamanho de um castelo, e um carro descapotável, para viajarmos com o vento na cara!" dizia o Luís com aquele ar sonhador que a Tininha conhecia tão bem.
Tinham dezasseis anos e andavam de mão dadas. Caminhavam lado a lado, com o coração no bolso do outro e os olhos postos nos sonhos de ambos.
Partilhavam chupa-chupas de morango e pastilhas elásticas de mentol, comiam sorvetes de limão a meias, e riam de tudo e de nada quando estavam um com o outro.
O Luís tremia de cima abaixo quando avistava o sorriso da Tininha , sentia as mãos a suar e a garganta a ficar seca. O Luís era quase um homem, e queria a Tininha com a força de um homem. Vivia num misto de paraíso e inferno, tal era o desejo que tinha dela.
Sabia que aquele fogo que lhe crescia nas pernas e se lhe espalhava pelo corpo todo mal a tocava, não podia estar muito mais tempo ocultado no seu peito. Temia até pela sua saúde mental. Pensava amiúde que por este andar ia acabar louco varrido.
A Tininha fazia pouco caso dos acessos de loucura e carne com que ele a assediava.
Ria-se e ateava um pouco mais as brasas já incandescentes nas veias do Luís , esquivava-se em gestos ambíguos , e alimentava de palavras o sentimento que os aproximava.
- Já te disse que não! Às vezes és um chato do pior...devias ouvir-me! Até parece que estou a falar pró boneco!
- Mas tu sabes que eu gosto de ti! É só por causa disso...
- Mesmo assim! Se eu já disse que não, é não!
- Tininha ...isso é uma parvoíce , és minha namorada, e eu gosto tanto de ti!
- Não insistas! Vou acabar por me aborrecer a sério!
- Se ao menos me desses uma boa razão....
- Queres melhor razão que o meu querer!?
- Mas....
- Não há mas nem meio mas Luís !
-....eu sei que tu também queres...queres tanto como eu quero....mais parece que estás a judiar de mim...
- Sabes bem que não é nada disso amor. É que....há querer e há poder, e eu não posso...tu sabes. Somos tão novos...
- Agora é a idade...
- É a idade sim! E então? Tu pensas que não te conheço? Depois fazes-me o mesmo que fizeste às outras! E eu não sou elas!
- Lá vem a mesma conversa.....é de ti que eu gosto! Por isso estou contigo!
- ...aposto que repetiste isso a todas elas....
- Tininha , agora quem está a ficar chateado sou eu! O que é que eu preciso fazer para acreditares em mim?
- Jura que me amas mais que tudo no mundo! Jura que morres por mim se eu te pedir!
Tininha não levava a sério os anseios de Luis , mas sentia a urgência nos olhos dele.
Sabia da angustia que os dedos das mãos dele passavam nas mãos dela, nos braços dela.
De uma maneira serena e pensada, Tininha , gostava de o saber assim, sofrido, doído de desejo. Às vezes quando fechava os olhos, também pensava nas mãos do Luís pousadas nas suas ancas, pensava na boca do Luís a amassar a sua própria boca entreaberta. às vezes o cheiro a pinho silvestre do cabelo do Luís imiscuía-se pelas narinas e a sua respiração ficava mais pesada e mais premente.
Mas quando abria os olhos, o mundo à sua volta ficava outra vez cor-de-rosa como um algodão doce nas feiras de verão, e o ar ficava de novo povoado de sonhos de castelos e príncipes .
- Vamos comer um gelado?
- Agora? Estamos aqui tão bem.....vem cá...dá-me só mais um beijo...
- Chega de beijos! Queres de chocolate ou baunilha?
- Não me apetece...queria estar aqui contigo....
- És um pegajoso!!! Anda lá comer um gelado, não sejas chato!
- Está bem. Pode ser chocolate...
Luis , outra vez, guardava o fogo no peito, e em gritos mudos de dor, afogava o desejo num gelado de chocolate.