I
Já estão dois a abanar
outros mais lhes seguirão
parece que estão a dançar
ao som da mesma canção
II
-Mãe, olha! estou a crescer
o meu dente vai cair!
Vou ficar envergonhada
quando o sol me vir sorrir!
III
-Vai valer o teu sorriso
Isto que te vou contar:
Também o sol, já teve
um dentinho a abanar!
IV
Era ainda pequenino
Cabia na tua mão
Mais parecia um pirilampo
Mal aquecia no Verão!
V
Agora que já cresceu
Tem um sorriso brilhante
A lavar bem os dentinhos
Ficas como ele num instante!
Ilustrado por Pim Pam Pum
Eram três raízes fortes.
Frutos de sementes vulgares, mas sãs e escorreitas.
Eram três raízes, que fermentaram no colo de uma mãe viúva de traços firmes e plácidos, e germinaram num dia de Primavera com o nascer de uma manhã qualquer.
Tinham membros malhados como ferro, forjados na tempra de uma fornalha acesa em brasa. Estavam na terra, como a terra estava nelas, Eram da terra numa pertença sem reservas ou limites, eram e isso bastava.
A viúva que as deitou ao mundo, cansava os braços com os filhos dos senhores, e caiam-lhe os seios de tristeza pelo leite derramado na boca de outras crias que não as suas. Tinha olhos de sal, que às vezes não se fechavam, porque não se podiam fechar, e davam-lhe um ar de estátua. Uma estátua numa praceta de segunda que ninguém olha, pela razão simples de que não há ninguém para olhar. A mãe viúva, tinha os nós dos dedos gretados do frio do pão amassado noites dentro para mesas de outras casas. Ela não tinha casa, nem mesas, nem tampouco pão, só três raízes fortes metidas na terra, de pés sujos e duros que sorriam com a alma toda quando a tarde do dia a seguir trazia embrulhadas num pano grosso, as côdeas do pão dessa manhã.
Codeas , maçãs tocadas com nódoas negras que alastravam mais depressa dentro dos bolsos, escondidas dos olhares famintos de raízes fracas e folhas caídas longe do Outono; raspas dos bolos de torresmo assados no forno do pastor, árvore nobre de tronco rugoso e ramos quietos.
Aquietavam o clamor do estomago com restos de nada, e brincavam de mangas arregaçadas e calções cortados pelos joelho e atados à cinta com duas voltas de cordel.
Eram amados na sombra dos filhos ricos que não eram da sua mãe. Espreitavam do alto do muro as mãos gretadas a pentear cabelos de ondas loiras, e fingiam ser eles, quem estava ali à mercê da doçura daquelas mãos de que só conheciam o cheiro.
Mas os seus cabelos eram negros, e atrevidos, espetados e sujos, e as mãos estavam longe. Acariciavam cabeças douradas, faziam-no com carinho e desmedida dor.
As raízes tomaram conta do seu pequeno mundo, e fizeram dele um lugar fertil para se viver.
Cresceram e multiplicaram-se, ficaram mais fortes a cada pedaço partilhado de amor em forma de pão bolorento. Abraçaram palmos e palmos de terra, sempre na busca, sempre a fossar o cheiro a óleo de amendoas doces que a mãe trazia nos dedos àsperos, o cheiro arrancado a aneis louros incandescentes.
Um dia a mãe viúva fechou os olhos de sal, e não mais os abriu. Nunca mais trouxe côdeas , ou frutas passadas, as mãos mornas, arrefeceram num repente e perderam o cheiro.
E as raízes encolheram-se de dor, calaram gemidos, perderam sorrisos abertos e ganharam um par de olhos de sal para cada uma delas.
As poças de lama, já não eram oceanos sonhados de praias quentes e azuis, e os olhos de sal viam agora apenas poças lamacentas feias, frias e vazias de interesse.
A terra toda encheu-se de raízes novas, e as três raízes fortes sulcavam vales com gretas nos nós dos dedos, e voltavam de rastos com pedaços de pão de ontem e restos de bolos resgatados do lixo das padarias. E havia sorrisos de mangas arregaçadas que esperavam com os olhos cheios de sono, as mãos sedentas de toques e as barrigas cheias de fome.
Aos poucos os olhos de sal que tanto tempo permaneceram abertos, escancarados de fé, e tantas vezes (muitas mais vezes) de desespero, fechavam-se.
Uma a uma, as três raízes fortes foram perdendo o viço, os olhos foram ganhando a paz.
Os olhos de sal e a busca de pão foram passando de raíz em raíz, até hoje.
Os meus olhos salgados já mal se fecham.
Três raízes fortes esperam as minhas mãos.
Acabei a minha re-leitura deste livro.
Há uns anos largos quando o li, na plenitude da minha adolescência, quando tudo é uma luta para se travar; achei-o....grande!!!! Acho que é a palavra mais certa: grande! O Exodo de um povo, a luta de uma geração, pelo trabalho, pela terra, pelo pão, pela justiça, pela igualdade.
Todas as lutas que ainda e sempre fazem rodar esta esfera.
Hoje, descobri outras cores nas palavras de John Steinbeck.
Os anos passaram (mais impiedosos por mim do que pelo livro), e apesar de tudo o que disse atrás não ter perdido o sentido, outros valores se levantam agora em frente dos meus olhos.
O sentido de familia, aparece sempre como o fio de prumo de toda a narrativa, e a luta primeira é a batalha, tantas vezes perdida pela união, a tal união que faz a força.
É um livro escrito por um homem, que consegue colocar em destaque a sensibilidade feminina, e a natureza primária, quase animal até, de uma mãe na protecção das suas crias.
Lindo e duro como a vida é.
"-Nada disso-argumentou a mãe, sorrindo- Não é não, pai. E isto é mais uma das coisas de que uma mulher tem a certeza. Já reparei nisso. O homem vive como se desse saltos...nasce uma criança e morre um homem, e é como se fosse um salto; arranja uma territa; perde a territa, e é outro salto. Para a mulher tudo corre sem parar, como um rio cheio de remoinhos e de cascatas, mas correndo sem parar. É assim que a mulher encara a vida. A gente não morre, a gente continua...muda, talvez, um pouco, mas continua sempre firme"