Cheguei já tarde.
Dormias. Tinhas deixado o teu corpo sozinho no colchão.
Fiz o que pediste. Fechei a porta atrás de mim.
Entrei de mansinho, sem sequer tocar com os pés no chão.
Fechei-a devagar, para não distrair os teus voos. Devagar, até ouvir o clique do fecho.
Nem foi preciso acender a luz. Tu sabes...conheço todos os cantos dos lugares onde pernoitas .
Eu sei que não gostas que fale nisso...mas...espreitei a gaveta da cómoda... estava mal fechada...ou mal aberta, como gostas de dizer.
Espreitei lá para dentro.
Sabes que tens lá perguntas a agonizar? Sabes não sabes?
Esquecidas...ou então escondidas...
Está bem. Calo-me já. Desculpa.
Só para saberes que cheguei enquanto voavas.
Está bem...não digo mais nada.
No fim do mundo havia uma porta.
No fim do mundo havia uma porta encostada. Nem aberta nem fechada. Só encostada, à espera de uma decisão.
Nem sequer era bem uma porta. Era uma entrada. Ou então uma saída. Era uma passagem.
Também não é certo afirmar que fosse ali o fim do mundo. Podia ser apenas o fim da rua, o fim do dia, ou o fim da noite. Ou então não.
Podia-se empurrar a porta e entrar...passar por ela e acordar diferente.
Ou podia puxar-se. Fechar perguntas e correntes de ar, do outro lado. Do lado de fora do fim do mundo.
As portas assim, nem abertas, nem fechadas... encostadas, sempre me deram medo.
As perguntas sempre me deram medo. As respostas ainda mais.
Se encontrares a porta encostada, podes entrar. Podes porque és tu.
Entra, mesmo que venhas do fim do mundo.
Entra e depois fecha bem a porta atrás de ti.
Podes ficar.
Mas não me faças perguntas.