Quinta-feira, 6 de Setembro de 2007

LENTES GROSSAS

Desde que chegamos ao mundo, somos pulverizados constantemente com os temores dos nossos pequenos ou grandes defeitos.

As psicologias de bolso, inscritas nas revistas de cordel, pseudo-ensinam-nos a lidar com os nossos handicaps .

Mas o muro das lamentações está lá, e ao invés de um pedido de clemência, o que lá depositamos mais não são do que cabeçadas. Marradas na ignorância. Na dos outros e na nossa.

Isto tudo para dizer que sou míope ...Altamente míope ...

Ou seja, vivo num limbo entre ter ou não ter os óculos postos.

Sem óculos, tudo se move numa tela de um qualquer artista abstracto, há pinceladas de cores que se misturam numa promiscuidade sem precedentes, expressões vazias de pessoas que afinal não o são, sombras que se adivinham, suposições, interrogações, incertezas, porquês, o quês? ondes ? quens ?

Com óculos, é um mundo centrado em torno destas duas lentes grossas, e que deixa de existir num estalar de dedos pra lá delas.

A minha mãe costuma dizer que tenho ouvidos de tuberculosa ( parece que os portadores da doença têm fama de ouvir muitíssimo bem), e não há muito tempo, uma amiga acusou-me de ter nariz de perdigueiro.

Este apurar dos outros sentidos, só pode ser uma rebelião de mim mesma à minha periclitante visão.

Só para dar um exemplo mais elucidativo, tenho quase todas as pessoas que conheço (pelo mesmo as que merecem) avisadas, no sentido de não levarem a mal se eu não as cumprimentar, quando passar de carro... em 40 anos de vida, perderam-se no infinito dos números, a quantidade de vezes que falei à pessoa errada, as vezes que cumprimentei um alguém que não conhecia de lado nenhum, as vezes que buzinei efusivamente a outro qualquer perplexo alguém....e por aí adiante.

Há uns meses pedi a uma criança que não conhecia de lado nenhum, que mandasse beijos e saudades à mãe......assim, a uns 5 metros de distância, aqueles rapazinho parecia-se tanto com outro, que eu, cegueta, como todos os dias, depressa o transformei naquilo que queria.

Chego a duvidar da lucidez do meu cérebro! Deixar-me fazer estas figuras tristes!

 

Podem rir à vontade.....quando me passa a vergonha, destas minhas precipitações, também largo umas valentes gargalhadas.

 

Apesar de tudo, no meu mundinho bordado a lentes grossas, os meus olhos alcançam muito mais do que aquilo que veem , e isso nem a puta da miopia me pode tirar.

 

 

Conheço tão bem esses olhos e nunca me enganam, o que é que aconteceu, diz lá é que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há [Sérgio Godinho]

 

 

sinto-me:
música: Com um Brilhozinho nos Olhos
Original Zumbido por meldevespas às 10:12
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Quarta-feira, 24 de Janeiro de 2007

O GATO MORTO

Já disse o poeta (Vinicius de Moraes) que não há nada mais triste do que um gato morto.........

E é verdade......todos os dias desta semana, nos 9 kms que tenho que repetir 4 vezes, naquele ponto da estrada, tal qual um sinal de trânsito derrubado pelo vento da noite, está um gato de olhos mortos. Um gato preto de olhos mortos.

Olhos, e corpo, que a vida foi-se embora sem despedida prévia, ali mesmo na curva depois do caminho de cabras. Já há 3 dias, e aqueles olhos vazios sempre me cumprimentam, sem expressão nenhuma que não seja o do abandono da alma (sim da alma, porque os gatos têm alma, uma alma muito antiga, mais antiga que eu, mais antiga que o mundo inteiro), e eu olho de soslaio, porque me incomoda a ausência neles.

A pelagem baça, as orelhas ainda afitadas e...os olhos sem olhar de espécie alguma, só uns olhos de vidro assoprados.

Tenho medo daqueles olhos. Não têm dor, nem ódio, nem raiva, nem nada. Minto... só têm nada.´

Era um gato preto, de andar felino, elegante, de certeza que olhava para as cabras, para o pastor e até para o cão malhado com aquele olhar superior que têm os gatos pretos vivos.

E agora, depois da velocidade da curva, aquela logo depois do caminho de cabras, ficou lá, a dormir um sono sossegado, sem sobresaltos, um sono da cor da estrada, baça acinzentada como o rato que perseguia quando a curva o alcançou a ele primeiro.

Coitado, perdeu a corrida, e agora dorme de cansado, o gato preto de olhos mortos.

sinto-me:
Original Zumbido por meldevespas às 11:52
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