O homem olhou-a, sério, compenetrado, seguro, como se estivesse à beira de anunciar a cura para a tristeza.
- O que sei da vida? É isso que te interessa? É só isso que te interessa!?
...sei que baste... e tu....?
já abriste o vidro do carro, quando a velocidade te acossa, e a chuva te aperta num cerco que quase te sufoca?
Porventura podes descrever o peso das gotas grossas a cair impiedosamente sobre as plantas mais frágeis, até elas esmagadas gritarem em desepero por um sopro seco?
Nesses dias em que a humidade é uma epidemia, e as árvores entornam na terra cheiros e rios de seiva....sentiste-te bêbeda desse excesso de odores?
Nesses mesmos dias, conseguiste soltar no vazio que trazes, as gargalhadas de crianças a pular descalças nas poças de água?
Fizeste estalar a lingua de prazer a morder raizes molhadas da brandura das manhãs de Inverno?
.....não....
....sei que não.....
Então o homem, compadecido pela ausência de calor naquele ser, tomou-lhe o rosto com as suas mãos, roçou-lhe a boca num beijo volátil e saiu porta fora sem olhar para trás.
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Espreitou por entre os cortinados escuros. A luz do dia não mentia.
Tal como ela temia.
O tempo ameaçava sol.
O sol minguava-lhe os dias. Era fogo posto debaixo da sua roupa.
Tal e qual ela temia.
Fizera juras de clausura ao calor da rua. Promessas de portas fechadas à luz do branco das paredes. Jejuns de manhãs mornas na soleira da porta...
O sol minguava-lhe as horas e acrescentava-lhe a inquietude.
Apertava a camisa com força contra o peito. Tinha que travar o bater de asas ali dentro. Os nós dos dedos empalideciam. Os lábios também.
Uma abelha pousou na flor de laranjeira, daquele ramo que quase batia no vidro da janela....
se agora abrisse a portada, só uma fresta pequenina, o cheiro a laranja doce e pólen acabado de colher , iam entrar-lhe pelo nariz e amolecer-lhe as pernas, e era certo, as pontas dos dedos gritariam por frutas e sumo e pêssegos suaves...
A abelha zumbia mansinho...ela arrependia-se baixinho...jamais abriria a janela num dia como este! Um dia de horas minguadas e euforias em crescendo.
Continuava ali. Prostrada junto ao vidro quente. Se ao menos chovesse dias a fio. Se o céu arrefecesse e se enchesse de cinzento...ela podia então largar a camisa sobre o peito...livre...sem temores de revoadas de pássaros e pousos de insectos.
E voltaria a ser ela, firme e sem pele...e sem sede de frutas ou fome de sumos...
Tinha a boca seca.
Caiu de joelhos no chão de mosaicos frios e chorou.
As mãos soltaram a camisa que teimava em abrir...
A abelha zumbia baixinho.
Ela atrevia-se, devagarinho...
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