O Luís e a Tininha eram namorados vai pra mais de três anos.
Amavam-se e faziam planos, como todos os namorados.
"Um dia vamos ter uma casa do tamanho de um castelo, e um carro descapotável, para viajarmos com o vento na cara!" dizia o Luís com aquele ar sonhador que a Tininha conhecia tão bem.
Tinham dezasseis anos e andavam de mão dadas. Caminhavam lado a lado, com o coração no bolso do outro e os olhos postos nos sonhos de ambos.
Partilhavam chupa-chupas de morango e pastilhas elásticas de mentol, comiam sorvetes de limão a meias, e riam de tudo e de nada quando estavam um com o outro.
O Luís tremia de cima abaixo quando avistava o sorriso da Tininha , sentia as mãos a suar e a garganta a ficar seca. O Luís era quase um homem, e queria a Tininha com a força de um homem. Vivia num misto de paraíso e inferno, tal era o desejo que tinha dela.
Sabia que aquele fogo que lhe crescia nas pernas e se lhe espalhava pelo corpo todo mal a tocava, não podia estar muito mais tempo ocultado no seu peito. Temia até pela sua saúde mental. Pensava amiúde que por este andar ia acabar louco varrido.
A Tininha fazia pouco caso dos acessos de loucura e carne com que ele a assediava.
Ria-se e ateava um pouco mais as brasas já incandescentes nas veias do Luís , esquivava-se em gestos ambíguos , e alimentava de palavras o sentimento que os aproximava.
- Já te disse que não! Às vezes és um chato do pior...devias ouvir-me! Até parece que estou a falar pró boneco!
- Mas tu sabes que eu gosto de ti! É só por causa disso...
- Mesmo assim! Se eu já disse que não, é não!
- Tininha ...isso é uma parvoíce , és minha namorada, e eu gosto tanto de ti!
- Não insistas! Vou acabar por me aborrecer a sério!
- Se ao menos me desses uma boa razão....
- Queres melhor razão que o meu querer!?
- Mas....
- Não há mas nem meio mas Luís !
-....eu sei que tu também queres...queres tanto como eu quero....mais parece que estás a judiar de mim...
- Sabes bem que não é nada disso amor. É que....há querer e há poder, e eu não posso...tu sabes. Somos tão novos...
- Agora é a idade...
- É a idade sim! E então? Tu pensas que não te conheço? Depois fazes-me o mesmo que fizeste às outras! E eu não sou elas!
- Lá vem a mesma conversa.....é de ti que eu gosto! Por isso estou contigo!
- ...aposto que repetiste isso a todas elas....
- Tininha , agora quem está a ficar chateado sou eu! O que é que eu preciso fazer para acreditares em mim?
- Jura que me amas mais que tudo no mundo! Jura que morres por mim se eu te pedir!
Tininha não levava a sério os anseios de Luis , mas sentia a urgência nos olhos dele.
Sabia da angustia que os dedos das mãos dele passavam nas mãos dela, nos braços dela.
De uma maneira serena e pensada, Tininha , gostava de o saber assim, sofrido, doído de desejo. Às vezes quando fechava os olhos, também pensava nas mãos do Luís pousadas nas suas ancas, pensava na boca do Luís a amassar a sua própria boca entreaberta. às vezes o cheiro a pinho silvestre do cabelo do Luís imiscuía-se pelas narinas e a sua respiração ficava mais pesada e mais premente.
Mas quando abria os olhos, o mundo à sua volta ficava outra vez cor-de-rosa como um algodão doce nas feiras de verão, e o ar ficava de novo povoado de sonhos de castelos e príncipes .
- Vamos comer um gelado?
- Agora? Estamos aqui tão bem.....vem cá...dá-me só mais um beijo...
- Chega de beijos! Queres de chocolate ou baunilha?
- Não me apetece...queria estar aqui contigo....
- És um pegajoso!!! Anda lá comer um gelado, não sejas chato!
- Está bem. Pode ser chocolate...
Luis , outra vez, guardava o fogo no peito, e em gritos mudos de dor, afogava o desejo num gelado de chocolate.