Rebolavam-se por detrás das estevas, sem fazer caso das pedras, e da humidade da terra, entregavam-se a gestos apressados, urgentes, escondidos.
Ela soltava gritinhos histéricos a denunciar o desejo em quarto crescente. Ele murmurava por entre dentes mantras antigos, palavras pagãs , enquanto lhe puxava as sais pesadas para cima. A respiração de ambos era ofegante, corrida, o vislumbre da meta depois de uma espera amarga.
Joaninha e Xavier, tinham-se escapulido de perto do grupo de trabalho. Com desculpas diferentes, e por caminhos opostos, desapareceram dali já com o encontro marcado para aquele lugar. Quando lá chegaram, mal conseguiam respirar, tal era a excitação e também o temor de verem o seu segredo a nu. Abraçaram-se em gemidos, e amaram-se na terra molhada pelo orvalho da manhã.
O Monte do Enforcado, era nesta época, o ganha pão para a maior parte das famílias das aldeias ali em redor. Eram olivais a perder de vista, vales e encostas de árvores carregadas de frutos grados. Este ano a apanha estava atrasada, a falta de água obrigava patrões e moirais a esperar um pouco mais pela altura certa.
Era o principio de Dezembro, e os trabalhadores iam chegando, uns a solo, outros em magotes, alguns em família. Estendiam os panos de serapilheira grossa e áspera por baixo das oliveiras e com paus altos varejavam as árvores arrancando-lhes as azeitonas perfeitas e sãs . As escadas em tesoura por baixo da árvore, ajudavam a tirar dos ramos os frutos mais teimosos que recusavam cair.
O varejar mais parecia o som de dezenas de bandos de pardais a bater as asas em silêncio numa tarde de primavera.
Os campos estavam salpicados de gente nessa manhã. Caras cansadas, semblantes pesados, roupas carregadas que era o mês do caramelo, e o frio chegava aos ossos com a rapidez de uma faca afiada.
Regressaram, com os corpos em paz, sempre com o cuidado de aparecer aos outros em separado.
- Já tás mais aliviada rapariga!! - gritou o moiral , estranhando a demora.
- Oh se estou Ti Jacinto!! Muito mais aliviada !! - respondeu a Joaninha, lançando o cabelo para trás , com uma gargalhada sonora.
A Joaninha era uma rapariga fogosa. Solteira e sem compromissos com ninguém que não fosse ela própria. Era nova e tinha um corpo inteiro e duro que virava a cabeça dos homens, a Ti Estrudes Marmela , estava sempre a repetir que ela tinha o diabo no corpo.
Exibia as ancas redondas e generosas num andar que fazia balouçar as saias pesadas e os olhos dos homens quando ela passava. E em jeito de desafio, empinava os seios fartos, engasgando as palavras de todos quantos a ela se dirigiam.
Pouco passava das 10 da manhã. Era a hora da bucha, todo o grupo se sentava ali por perto, abriam-se os tarros e as marmitas, comia-se qualquer tapa-buracos ", e aproveitava-se o tempo para descansar as costas cansadas de andar dobradas, debruçadas sobre o pano escurecido. Havia sempre alguém que puxava de uma moda, e a música dolente, por momentos encantava os pássaros e outras criaturas do campo.
O Xavier, comia, cabisbaixo, os olhos cravados no naco de pão com toucinho salgado, e na navalha. Ao seu lado a mulher, Catarina observava-o com desconfiança - aquele homem andava tão ensimesmado, que até parecia que trazia a alma enegrecida - pensava ela muito amiúde nos últimos tempos.
Catarina estava sentada numa pedra maior, que Xavier tinha arrastado para esse propósito. Tinha as pernas abertas e uma manta de lã escura pelos joelhos. Já mal conseguia sentar-se quanto mais andar ali dobrada, esta era a última semana que vinha, já tinha dito ao marido que assim com o bucho cheio, ainda lhe nascia a criança debaixo de uma oliveira!
A Ti Estrudes Marmela , o Ti Jacinto, o Inácio, a Branca e a Joaninha, tinham acabado a cantoria e riam agora a bom rir com os sonhos da Branca:
- Ai Jesus, eu nã peço muito, nã senhora! Um olival piqueno , um cordão de ouro e uma casinha pra eu morar mais o mê Toino!
- Um cordão d'ouro ! Homessa! E inda dizes que nã pedes muito - atiçava-a o Ti Jacinto - Atão e tu Xavier, homem de Deus estás mais calado que a morte! O que queres tu da vida, hã!?
-.....eu.....bem....quero o que toda a gente quer.....acho eu...
- Saúde! - saltou-lhe Catarina em defesa - Saúdinha e paz prá nossa família ! O que há-de agente querer Ti jacinto. A gente é pobre, nã pode pedir muito mais que isso!
- Nisso tens tu muita razão Catrinita , aos pobres tem que lhe bastar pão e canseiras, que os sonhos são prós outros!
- Pois eu não quero ouro, nem olivais, nem casas, nem saúde...a única coisa que eu quero é um homem...um homem a sério, que me sossegue! - disparou Joaninha diante do olhar perplexo de Catarina, do susto de Xavier e dos risos altos do resto do grupo.
Enquanto falava, Joaninha, destemida, nem por um segundo descolou os olhos do Xavier.
Xavier empalideceu. Faltou-lhe a coragem para olhar para Catarina em busca de compreensão, para as palavras tolas da outra. Calou-se, branco como a geada, e o nó que sentia na garganta, era toda a vergonha que lhe incendiava o ser.
Como podia? Como ousava?
Como se permitia que aqueles olhos de azeitona galega o olhassem assim, como deixava aquele ardor subir-lhe pernas acima e inflamar-lhe o corpo, mesmo ali, na frente da mulher quase a parir !?
A Joaninha não era de ninguém! Só queria usurpar-lhe o prazer, sugar-lhe toda a lealdade que tinha para com os outros, enlamear-lhe a honra de ser um homem honesto.
Não havia cão nem gato que a quisesse fora dos lençóis , não havia vivalma por aquelas redondezes que não conhecesse a índole dela! Todos sabiam que o homem que a tomasse para esposa seria um cornudo!
E ele ali estava...todo a tremer por dentro, confrontado com a degradante verdade que lhe apertava o coração...ele queria ser o cornudo! Ela queria-a só pra ele, e pouco lhe importava o que diriam os outros, família , amigos...nada! Ela era uma puta , uma cobra, mas ainda assim ele sofria de uma dor imensa só por causa dela....
Mas Xavier sabia que a Joaninha era do vento e do prazer, era so sol e dos lençóis , era da chuva e da terra molhada..mas não era dele.
Ás vezes tinha vontade de desaparecer dali, pôr uma corda ao pescoço e pendurar-se duma oliveira... morrer longe dos olhares dos outros, longe do olhar de azeitona galega...
Ás vezes....
- Xavier, acorda homem de Deus! Agora deu-te pra dormir de pé! Anda lá tá na hora de enregar !!! Anda lá, até a adiafa estar acabada, temos muito que batalhar!
Catarina abanava-o com força, o resto do grupo voltava já ao trabalho, e Joaninha queixava-se do calor enquanto desabotoava sem pressas, mais um botão da camisa grossa, com os olhos cravados nele.
Era o mês do caramelo, e Xavier ardia em febre.