A chuva surpreendera-a a apanhar agriões nas margens do ribeiro.
Abrigava-se debaixo de gotas grossas e pesadas, de mãos dadas com a seara de trigo, que lhe segredava:
- Corre Rosa, foge que o céu vai desabar...
Rosa estava pasmada, e receosa. Num repente a flor do dia tingia-se de metal escuro, e o sorriso dela escorregara para o chão, agora de lama.
O coração batia alto, tanto que os ouvidos lhe doíam com o barulho.
Ou então era o troar dos trovões. A electricidade no ar, eriçava-lhe os sentidos, e o horizonte tinha-se dissipado em cortinas de água cerradas como muros de betão.
Um dente de leão, despido pelo vento, assobiou-lhe em surdina à sua passagem:
- Corre Rosa, corre que o mundo se acaba, ou te acabas tu...
Rosa, acenou-lhe e continuou. As fontes latejavam de pressa fundida no medo, e acima de tudo, a prudência dizia-lhe que não era bom estar a céu aberto num dia marcado como aquele.
Arengava uma Magnifica enquanto tropeçava nas ervas...ou chamava Sta . Bábara ... - alguém por favor.
Avistou a cameleira antiga, que assinalava a fronteira entre as terras de S. Justa e as terras de ninguém, onde agora se perdia.
Um coelho bravo, a espreitar da sua toca, gritou-lhe numa voz fina e estridente:
- Rosa corre, deixa a cameleira florir em paz! As camélias gostam de luz...foge, que te encandeias!
Deixou o coelho pra trás. Só tinha olhos para a grande árvore, tão antiga como a terra que a acolhia,...era a única árvore num raio de muitos metros...além dela só as estevas do caminho das cabras, ou as ervas daninhas e as flores do campo, que vergavam rendidas com a força dos elementos.
Sentou-se encostada ao tronco seguro da cameleira, tentou lembrar-se de uma oração, uma que afastasse as trovoadas, ou ainda melhor, uma que a levasse a casa...
Uma poupa, voou por cima dos seus cabelos encharcados, guinchando:
- Corre Rosa, as camélias gostam de luz.....
A cameleira iluminou-se com um estrondo que vinha das entranhas antigas da terra, e choveram camélias na erva molhada.
No silêncio da terra queimada, nasceram rosas, e nelas pousaram pássaros de todas as cores.
Imagem by João Palmela