O dia acordou devagar, como todos os dias de Verão acordam.
Tapou os olhos com as mãos em concha e virou-se de costas para fugir da luz clara e baça que tinha tomado conta de todas as frestas do quarto atarracado.
Enterrou a cabeça na almofada, e deixou-se ficar ali até quase perder o fôlego.
Finalmente levantou-se. Os olhos franzidos, as mãos em pala de protecção. Pôs os dois pés fora da cama, e num impulso ficou de pé, frente ao espelho de corpo inteiro, à direita do divã onde dormia.
Aproximou-se mais de si. Espreitou o olhar reflectido, demorando-se nas linhas franzidas por debaixo dos lagos cinzentos, fundos, ansiosos. Aquela claridade em corta-luz, tinha-lhe conferido um ar desconfiado, permanentemente encandeado, as rugas em volta dos olhos pareciam exércitos de riscos a lápis de carvão...exércitos desalinhados, cansados, que tinham assentado arraiais por aquelas bandas...
As sombras lá de fora, despertaram-no da letargia do ritual de observação.
As sombras cresciam na proximidade, e minguavam na distância, mas em momento algum tocavam sequer a sua existência de ilhéu...apartado do calor dos outros por vontade própria.
Então era assim? Era assim, estar sozinho.
A única metamorfose à vista era o facto de aquele familiar nó no peito, a dor constante que transportava pra todo o lado... estar agora transformado num enorme e estranho vazio de sons, que lhe apertava a garganta e o impedia de abrir a boca.
Voltou às linhas dos olhos...eram como um pecado que ainda está por fazer, sempre a chamar, num sussurro.
Agora tinha desaprendido tudo.
Estava preso do lado de dentro do casulo. Uma prisão sem amarras, sem grades, e sem gente.
Acordava devagar nos dias de Verão, deitava-se depressa nas noites de Inverno, dormia ao de leve, enroscado em si mesmo, na ânsia avassaladora do amanhecer, de olhos quase fechados, franzidos, secos.