Quando finalmente o sol despejou um jorro de claridade na escuridão da noite, já a rapariga percorria há muito, os caminhos. Calcorreava veredas, investia matagais, cumpria pedaços de chão, como quem morde côdeas de pão duro. Como quem morde a vida por vingança.
- Estava ao alcance da mão...mesmo, mesmo aqui... e agora tenho que acelerar o passo..não posso fraquejar!. Não agora!
Pedras pequenas e finas como dentes de leite, vermelhavam à sua passagem, e o que estava morto e seco, levantava-se de jubilo pelas suas feridas.
- Parava só um bocadinho...se pudesse.....mas não posso...se parar agora..é o fim..e eu não quero que o fim seja isto, assim, no meio do nada, só embalada pelo resfolegar das cobras nestas pedras tristes....
O fim de um caminho, era sempre o começo de outro, e, depois de uma vereda estreita, vinha sempre outra ainda mais estreita, e os espinhos do mato, feriam cada vez mais fundo, as suas pernas, e os dentes de leite no chão, erguiam-se a cada sopro de vento, mais alto, e eram já presas de um qualquer carnívoro no recobro de um parto...e o caminho só cumpria o dia a seguir à noite, e a noite a seguir ao dia, numa sucessão desoladora de sol e de lua.
- Ardem-me já os olhos, e o peito...arde-me tanto o peito...é o desejo que arde que eu sei que é...mas já falta pouco...
Mil noites e mil dias depois, os caminhos acalmaram, as veredas amansaram, o mato descansou, e a rapariga podia até respirar fundo e deixar cair o cansaço de promessas cumpridas....mas o peito ardia ainda e cada vez mais fundo.
É um fogo posto pelo andar desvairado de mil dias e mil noites.
- Podes parar de queimar? Só um bocadinho, pra eu respirar fundo. Agora que cheguei à vida, queres matar-me na fogueira? Fogo cego! Na fogueira já tu me mataste antes, nesses caminhos sem fim!
O rapaz estava lá sentado.
Sentado, como quem espera a paz no mundo.
O rapaz era todo de água, e sorria com um sorriso antigo tingido de azul.
A rapariga correu para ele e o rapaz abriu os braços, os dois aplacaram fogos, e juntos desaguaram no mar.